Defensoria e Ministério Público pedem interdição parcial de unidade da Prefeitura. Local acumula denúncias de violações ao ECA, más condições estruturais e atendimento precário.
Imagens de paredes sujas, móveis quebrados, colchões no chão e banheiros deteriorados revelam parte do cenário encontrado no Serviço de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes (Saica), mantido pela Prefeitura de Ribeirão Preto (SP). Mas, segundo denúncia da Defensoria Pública e do Ministério Público, as violações vão muito além da estrutura: há casos de abuso sexual entre internos, negligência médica e crianças privadas do acesso à educação.
Diante desse quadro, os órgãos ajuizaram uma ação civil pública que pede a interdição parcial da unidade localizada no bairro Ribeirão Verde. Essa é a quarta ação judicial desde 2022, resultado de uma série de vistorias e denúncias que expõem o colapso de um sistema criado para proteger, mas que, segundo os autores, vem revitimizando crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
“Poderia listar praticamente o Estatuto da Criança e do Adolescente inteiro em termos de violação: direito à educação, saúde, dignidade sexual, integridade física e psicológica, convivência familiar, lazer, profissionalização… Está tudo sendo desrespeitado”, afirma o defensor público Bruno César da Silva, um dos autores da ação.

Serviço continua funcionando de forma irregular
Desde 1º de abril de 2025, o Saica opera sem o registro obrigatório do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o que, segundo a Defensoria, configura funcionamento ilegal. A renovação do registro foi negada por falta de atestados de qualidade emitidos pelo Ministério Público e Conselho Tutelar.
A unidade tem capacidade para 48 acolhidos, mas chegou a atender mais de 80 crianças e adolescentes ao mesmo tempo. Em maio, 71 estavam abrigadas no local.
A Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, disse não ter sido notificada da nova ação, mas afirmou que acompanha rigorosamente o serviço e que melhorias serão anunciadas em breve.
“A Secretaria mantém diálogo ativo com o Ministério Público, articulando ações concretas para melhorar as condições do serviço”, informou em nota.

Superlotação e falta de equipe: cenário crítico
A unidade de Ribeirão Preto, que deveria contar com 3 coordenadores, 6 profissionais de atendimento, 10 educadores por turno e 10 auxiliares por turno, não possui nem um terço desses profissionais. Isso, segundo os denunciantes, compromete a segurança e a saúde dos acolhidos.
Entre os casos documentados está o de uma menina esfaqueada por outro interno, além de abusos sexuais cometidos entre crianças e adolescentes. Em dois desses casos — envolvendo um menino e um adolescente — os relatos foram homologados pela Justiça, abrindo caminho para futuras ações de reparação.
“São situações que acontecem por falta de supervisão e acompanhamento em saúde mental. Não há equipe suficiente, e isso leva a episódios extremos”, explica o defensor.
Falta de assistência médica e educacional
O Saica deveria garantir a continuidade da educação e o acesso à saúde dos acolhidos. No entanto, a falta de profissionais tem prejudicado atividades escolares, especialmente no contraturno, e atrasado atendimentos médicos essenciais.
Um dos episódios mais graves envolve um bebê de sete meses, que precisou ser internado mais de quatro vezes com bronquiolite, o que os autores da ação associam à negligência e más condições sanitárias.

Estrutura precária e itens vencidos
As vistorias também revelaram uma série de problemas estruturais e sanitários:
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Colchões avulsos e sem camas suficientes;
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Quartos com armários sem portas e sem espaço para roupas;
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Vasos sanitários e portas quebradas;
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Salas improvisadas como depósitos, bloqueando saídas de emergência;
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Falta de extintores de incêndio ou armazenamento irregular;
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Medicamentos vencidos nos armários.
Histórico de ações judiciais contra o Saica
Desde 2022, a Defensoria Pública e o Ministério Público já moveram quatro ações civis públicas contra a Prefeitura de Ribeirão Preto em decorrência das irregularidades no Saica:
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2022 – Problemas estruturais: falta de documentos obrigatórios, como alvará do Corpo de Bombeiros.
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2023 – Violência sexual: ação para homologar depoimentos de vítimas de abuso entre internos.
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2024 – Falta de planejamento: ausência de Planos Individuais de Atendimento (PIAs), fundamentais para definir o futuro dos acolhidos.
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2025 – Pedido de interdição parcial: superlotação, más condições, violações ao ECA e ausência de registro legal.
Um sistema que falha com quem mais precisa
O objetivo do Saica é oferecer abrigo temporário e seguro para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por negligência, maus-tratos ou abandono. Mas o que deveria ser um ambiente de proteção se transformou em um espaço de revitimização e desamparo.
“Essas crianças já sofreram violências graves em casa. Elas são retiradas do lar para serem protegidas pelo Estado. Mas estão sendo novamente expostas a violações. Isso é inaceitável”, conclui o defensor Bruno César da Silva.
A situação exige respostas urgentes da administração pública e o cumprimento rigoroso do Estatuto da Criança e do Adolescente — documento que, segundo a denúncia, tem sido sistematicamente ignorado.
